Este blogue é um espaço destinado à compilação de textos sobre o mundo motorizado, que vou escrevendo para diferentes meios.
Embora não seja uma actividade que desenvolva em termos profissionais, é algo que me dá muito prazer, que tento fazer cada vez melhor e que tenho gosto em partilhar.
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quarta-feira, 31 de outubro de 2007

2007.11 em Motor Clássico nº 9
Classe Económica
Clássicos Diesel



Antigamente reservado a tractores e camiões, o gasóleo acabou por conquistar a preferência da maioria dos portugueses.
Também nos clássicos, os diesel podem ser uma opção inteligente.
Espreite para lá do preconceito e descubra um carro à sua medida.

Há que admiti-lo: nós, entusiastas dos clássicos, somos resistentes à mudança. Numa época em que os diesel se tornaram sinónimo de performance, eficiência e robustez, os clássicos a gasóleo continuam a ser considerados menos nobres ou “coleccionáveis”. Mas todos os preconceitos têm um prazo de validade e, como tal, talvez esta seja a hora de começar a honrar aqueles que são os percursores da tendência actual.
A descriminação de que este tipo de carros tem sido alvo reflecte-se nas cotações mas, infelizmente, também nas estatísticas dos abates. Por isso, a menos que esteja em busca de um desportivo, há muito boas razões para escolher um diesel. Economia, binário e robustez são apenas os mais evidentes. É certo que alguns modelos mais antigos são lentos e ruidosos. Mas nem sempre a alternativa directa a gasolina é claramente superior. Por outro lado, em alguns mercados, a versão a gasóleo tem até um especial significado histórico.
A Motor Clássico dá o mote e apresenta-lhe algumas propostas interessantes.


Mercedes 180 D

Celebrizado com o nome de “Matateu”, o Mercedes 170 foi a primeira berlina a ser produzida massivamente com um motor diesel. Mas no nosso país, o 180D teve um maior impacto comercial. Durante muitos anos, foi o táxi português por excelência. Facto que, por si só, faz dele um genuíno clássico popular. Incrivelmente lento, mas incrivelmente robusto, é impossível não apreciar o charme deste Mercedes bonacheirão.


Peugeot 404 Diesel

Hoje e sempre uma forte impulsionadora do diesel, a Peugeot foi das primeiras marcas a aplicar esta tecnologia a refinadas berlinas.
Elegante e confortável, o 404 nunca foi um modelo de grandes performances. Por isso mesmo, talvez a versão diesel faça tanto sentido como uma das versões a gasolina menos potentes. O que se perde em suavidade e elasticidade, ganha-se em economia. E clássicos com a assinatura de Pininfarina, raramente são tão acessíveis.


Volkswagen Golf 1.6 D

Pioneiro nos GTI, o Golf foi também o percursor dos utilitários diesel, como aqueles que hoje abundam nas nossas cidades. Por isso, excepção feita ao famoso desportivo, talvez o 1.6 D seja a versão historicamente mais relevante da gama Golf MKI. Além disso a frugalidade do seu motor de 50cvs combina na perfeição com a reinterpretação do “carro do povo”.
Para além das linhas intemporais de Giugiaro, o Golf tem como principais atributos o facto de ser um clássico prático, económico e muito fiável. Um daqueles que podem, realmente, ser usados no dia-a-dia.


Peugeot 604 TurboD

Embora o modelo nunca tenha sido oficialmente comercializado em Portugal, muitos 604 chegaram ao nosso país trazidos por emigrantes. Quase todos na versão TurboD.
Ao apostar no turbo-compressor, a Peugeot criou uma motorização diesel capaz de equipar dignamente uma berlina do segmento superior.
Muitas vezes apelidado de “Mercedes francês”, o 604 é um carro imponente, confortável e bem equipado. Provavelmente, uma das propostas mais refinadas entre os clássicos diesel.


Mercedes 240D 3.0 e 300D

Hoje em dia, todos os empresários e executivos guiam um diesel. Mas nos anos 70, só um excelente carro poderia convencer um segmento tão exigente a fazer a escolha económica.
Lento nas acelerações, o motor de 5 cilindros e 3 litros de cilindrada permite, no entanto, velocidades de cruzeiro aceitáveis, com um elevado nível de conforto.
O número de exemplares ainda em utilização diária, alguns contando mais de 1 milhão de quilómetros, são a garantia da fiabilidade “à prova de bala”.


Alfa Romeo Giulia Diesel

Desde sempre conotada com desportivos exóticos e potentes, a Alfa Romeo chocou os seus fiéis seguidores ao lançar o Giulia Diesel.
Porque é raro, não é dos mais acessíveis. Porque tem motor Perkins, não é dos mais fiáveis.
Apesar de manter a interessante estética da Berlina, este Alfa move-se e soa como um Morris Marina.
Pode bem ter sido uma péssima ideia por parte dos homens de Arese, mas não deixa de representar uma página importante na história da marca. A prova disso mesmo é o número de unidades diesel actualmente vendidas pela Alfa Romeo.


BMW 324d

Pelas suas imensas qualidades, o Série 3 E30 é um modelo com uma das maiores legiões de fãs da história do automóvel.
A poucos meses de completar 23 anos, o 324d representa a primeira investida da BMW no universo diesel. Com este modelo, a marca começou a provar ao mundo que o gasóleo e o prazer de condução não eram incompatíveis. Acredite-se ou não, a sonoridade do motor de 6 cilindros chega a ser agradável e, graças às reconhecidas qualidade dinâmicas do E30, o 324d proporciona uma condução interessante.


Peugeot 504 Break Diesel

Eis um carro capaz de provocar alguma surpresa num encontro de clássicos.
Extremamente resistente e espaçosa, a 504 Break tem a sua versatilidade reforçada na versão de 7 lugares, o que a torna a escolha perfeita para entusiastas com grandes famílias.
De alunos de infantário a operários da construção, passando por equipas de ciclismo, quase todo o Portugal já se sentou numa 504, o que reforça o seu estatuto de clássico prático e popular.
Se o tamanho da garagem permitir, aproveite este momento para adquirir um dos modelos mais marcantes da nossa história automóvel.

(caixa)
Os recordistas.

Assim que a tecnologia diesel começou a ser aplicada a berlinas, vários construtores sentiram a necessidade de provar que estas mecânicas deviam ser levadas a sério, quer em termos de fiabilidade, como de performance. A Peugeot foi pioneira, em 1965. Com base no 404 Cabriolet, foi desenvolvido um velocista de aspecto deveras peculiar. Transformado em monolugar, em vez do convencional “cockpit” este protótipo apresentava uma espécie de carlinga destinada a diminuir a resistência aerodinâmica, enquanto na frente foram adicionados dois faróis para os turnos de condução nocturna. Turnos, esses, que permitiram ao 404 Diesel percorrer a distância de 16.627kms em 103 horas, o que significa uma velocidade média de 161,49kms/h.
Em 1972 foi a vez da Opel marcar a história dos motores a gasóleo. O modelo que serviu de base foi o pequeno GT. Altamente modificado em peso e aspecto, este GT diesel montava o motor 2.100cc que viria a ser usado no Rekord, aqui apimentado por um turbocompressor que permitia uma potência de 95cvs. Com este “cocktail” a Opel elevou a fasquia, ao completar 10.000kms em apenas 52 horas, o que se traduz numa velocidade média de 190,88 kms/h. Isto com um consumo máximo de 13 litros por cada 100kms.
Este record manter-se ia até 1976, quando a Mercedes resolveu introduzir um motor diesel no seu famoso projecto experimental C111-II. O protótipo com “asas-de-gaivota” bateu inúmeros recordes com uma versão do motor 3000 do 240D W115, dotada de turbo e intercooler, ostentando 190cvs de potência. Ao conseguir manter uma velocidade média de 252kms/h, o Mercedes baixava o record dos 10.000kms para as 39 horas! Mas porque o projecto reunia muito entusiasmo por parte dos engenheiros envolvidos, o motor foi ainda “esticado” até aos 230cvs. Nesta evolução final, o C111-III D conseguiu manter médias superiores a 300kms/h com um consumo de 16 litros por cada 100kms.
2007.10 em DaMoto nº3
A moto como a conhecemos.
Honda CB 750 Four







Qualquer revista de motos, num determinado momento, dedica algumas páginas à Honda CB 750 Four. E há uma forte razão para fazer o óbvio: gratidão.
Com este modelo a Honda não marcou apenas a história da moto. A CB 750 Four redefiniu o futuro da indústria, do motociclista e, como consequência, o nosso. Esta homenagem explica porquê.

Se a CB 750 Four, alguma vez mereceu uma crítica, essa consistia na sua demasiada perfeição. A maior das Honda fazia tão bem tudo aquilo a que se propunha que, pilotá-la, acabava por não ser um desafio. Mas em 1969, criar uma moto de 67cvs demasiado acessível, significava reunir vários factores: um brilhante plano de engenharia, uma excelente avaliação do mercado, um seguro salto tecnológico e um rigorosíssimo controlo de qualidade. Soichiro Honda e Yoshiro Harada (o responsável pelo projecto) conseguiram reunir todas essas condições, marcando aquele que seria o padrão de trabalho da Honda em todas as produções futuras.


Ler o mercado.

Quando imediatamente após a guerra, Soichiro Honda se fechou num barracão de Hamamatsu a aplicar motores em bicicletas, fê-lo por saber que o Japão precisava desesperadamente de meios de transporte, baratos e económicos. O Japão era à época um país em convalescença duma guerra devastadora. O combustível era escasso e as condições económicas tornavam inviável a aquisição de automóveis.
Soichiro, usou primeiramente motores dois tempos excedentes de material de guerra. As 500 primeiras bicicletas motorizadas venderam-se a um ritmo em nada condizente com a sua potência. Soichiro percebeu o que o mercado lhe dizia e lançou-se na produção dos seus próprios motores e mais tarde, quadros.
Esta capacidade de ler o mercado foi igualmente determinante aquando da concepção da CB 750 Four. Em 1966 a Honda tinha como principal arma a CB 450 bicilíndrica. Um modelo em quase tudo superior às suas congéneres britânicas, mas que não impressionava aquele que sempre foi o maior consumidor mundial de motos: a América do Norte.
A CB 450 não era lenta por comparação com a concorrência. Era também fiável e o seu comportamento competente. Afinal, a Honda trazia para a estrada muitos ensinamentos dos seus vários títulos no mundial de motociclismo. Mas, talvez fruto da geografia do país, os norte-americanos sempre quiseram potência à disposição. Ao contrário dos japoneses, estes motociclistas não gostavam de ser obrigados a usar a caixa e altas rotações para tirar o máximo de partido da moto. Para além disso, os americanos estavam mais adaptados a um tipo de condução mais relaxada - como a que proporcionavam as Harley-Davidson – do que a pilotar “race replicas” nervosas e pouco práticas.
Posto isto, Harada teve de interiorizar e aceitar o conceito “maior é melhor”, tão típico naquele lado do mundo. Mas isso não bastava.
Um dos desafios que o mercado americano colocava era a necessidade de altas velocidades de ponta e de cruzeiro. Uma boa super-moto deveria então poder competir com um “muscle-car” e, simultaneamente, permitir longas viagens a ritmos elevados, com bons níveis de conforto e segurança. Objectivos aparentemente difíceis de conciliar.


Os números e os meios.

Harada sabia então que binário, potência e imponência seriam dados da equação que tinha para resolver. Mas restava a dúvida de até onde ir. Foi então que soube, de fonte segura, que a Triumph se preparava para lançar uma moto de 750cc. A “dose” estava, pois, definida.
Porque esta desportiva também pretendia ser uma viajante, a suavidade e o ruído tinham de ser compatíveis com as grandes distâncias. Havia já muito tempo desde que a indústria automóvel tinha definido os quatro cilindros como o mínimo exigível para um funcionamento suave e uma sonoridade agradável. Para além disso o aspecto de tal motor ajudaria a convencer o público de que esta CB era diferente e deveria ser levada a sério.
Basta olharmos para as motos actuais para percebermos o quanto esta escolha foi acertada. Para além de proporcionar uma linearidade invulgar para a época, o motor da CB vibrava muito pouco e tinha um som melodioso, incomparável ao de qualquer concorrente.
Agora que a Honda tinha uma moto capaz de acelerar até aos 100kms/h em 7,5 segundos, faltava decidir como fazê-la abrandar. A Lochkart, uma empresa americana especializada em travões oferecia já, em 1968, um sistema de travão de disco que podia ser instalado numa CB 450 e cujos resultados eram surpreendentes. Harada ficou entusiasmado com a ideia, mas receoso de que o facto de ser uma novidade tecnológica fosse atrasar o programa de desenvolvimento da moto. Inseguro, decidiu questionar o patrão da Honda sobre se deveria adoptar os discos ou apostar num bom sistema de tambores. Soichiro, sempre adepto de novidades e soluções tecnologicamente avançadas respondeu: “É evidente que temos de ter os discos.” E no salão de Tóquio a CB750 Four ostentava orgulhosamente os seus grandes e volumosos discos de travão, com que surpreendeu toda a imprensa antes mesmo de chegar à estrada.


O sucesso e as soluções de produção.

O projecto da CB750 Four foi diferente e vanguardista desde o primeiro esboço. Isto porque todo o processo de fabrico incluía novos métodos e ferramentas no sentido de garantir que, apesar de pioneiro, este modelo não teria quaisquer falhas. Então, pela primeira vez, foram utilizados meios informáticos no desenho e concepção de uma moto, o que permitiu agilizar toda a fase de projecção.
Porque tanto o desenvolvimento como o fabrico, envolveriam uma grande quantidade de engenheiros e operários, Harada decidiu criar um conjunto de objectivos-base que todos deveriam ter presentes, criando assim uma equipa coesa e informada. Estes 6 objectivos eram os seguintes:

1 - Assegurar a estabilidade a velocidades de cruzeiro elevadas (140 a 160kms/h), permitindo no entanto boa maneabilidade no trânsito.
2 - Oferecer um sistema de travagem altamente fiável e resistente, capaz de suportar frequentes travagens fortes a altas velocidades.
3 - Minimizar vibrações e ruídos de forma a diminuir a fadiga do condutor em longas viagens, criar uma posição de condução confortável e assegurar que princípios ergonómicos são aplicados a todos os instrumentos. Criar instrumentação de uso intuitivo.
4 - Garantir que todos os instrumentos auxiliares como manómetros e luzes fossem suficientemente grandes e funcionais de modo a ajudar o motociclista na condução e assegurar visibilidade perante outros veículos.
5 - Alargar os períodos de revisão, permitir uma fácil manutenção e garantir que todos os componentes têm um longo período de vida.
6 - Criar desenhos originais que sejam fáceis de produzir em massa, através do uso de novos e melhores materiais e tecnologias.

A Honda iniciou então a produção da sua nova máquina em Saitama, numa unidade fabril que se encontrava desactivada. O objectivo era evitar proceder a alterações nas linhas de produção principais, no sentido de as adaptar ao fabrico duma moto completamente nova e cujo sucesso comercial era ainda imprevisível.
Porque a fábrica de Saitama estava pensada para produzir motores bicilindricos, muitas modificações foram necessárias para a adaptar à construção da 750 Four. Os engenheiros da Honda efectuaram inclusive algumas “visitas de estudo” a fábricas de automóveis e tiveram mesmo de recrutar muitos operários das suas fábricas de motores para carros, no sentido de dar resposta às encomendas. Estes reforços, habituados a montar motores de 4 cilindros, receberam instruções especiais no sentido de manejar os motores de maneira a que os blocos não tivessem um único risco no exterior.
À medida que as encomendas aumentavam exponencialmente por todo o globo, a Honda foi subindo a cadência de produção de 5 unidades diárias para 25 e, posteriormente, para 100. A transferência das linhas de fabrico para Suzuka foi, então, inevitável.


De 1969 à eternidade.

Até 1969, provavelmente, não tinha havido outro modelo de moto planeado e concebido de forma tão avançada e cuidada. O resultado deste plano rigorosamente delineado, rebentou como uma bomba no mercado e na indústria das motos.
Pela primeira vez, uma moto potente poderia ser vista como um meio de transporte racional e confortável, em vez de assumir o papel de “brinquedo” furioso, radical, sujo e fumarento. Ao mesmo tempo, a CB tornava a sua performance acessível por ser segura e fácil de guiar, ao contrário das suas rivais da época, como a assustadora Kawasaki KH. À custa dessa acessibilidade, a Honda conquistou mesmo novos motociclistas. Re-misturando o conceito de moto, a CB 750 colocou este universo de performance ao alcance de todos, fazendo mais pela popularidade das duas rodas do que qualquer outro modelo na história.
Muitos motociclistas, mais radicais e destemidos, nunca se deixaram seduzir por esta moto “fácil” e quase aborrecida. Mas mesmo a esse nicho, a CB 750 Four prestou um grande serviço: o de criar uma fórmula e estabelecer um padrão sobre o qual haveriam de ser desenvolvidas milhares e milhares de diferentes propostas, desde radicais RR’s a suaves turísticas.
Mais surpreendente, é o facto da 750 Four ainda estar na moda, como prova a popularidade de modelos como as Hornet, CBF 600, XJR 1300, Z1000 e outras.
No fim de contas, todos continuamos a apreciar a perfeita combinação de pureza, simplicidade, eficiência e beleza da CB 750 Four. Talvez porque, no fundo, esta será para sempre “a moto” e tenhamos de nos contentar com imitações e sucedâneos.