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sexta-feira, 14 de março de 2008

2008.03 em Motor Clássico nº 13
Os miseráveis
Os piores carros de sempre.











Há muitas formas de tornar um carro mau. Se nuns casos tudo se resume a um problema eléctrico ou de corrosão, outros há em que todo o conceito é um erro. Recorde connosco alguns dos piores carros de sempre.

Seria injusto dizer-se que a história dos piores carros de sempre começa com o próprio advento do automóvel. Nos anos dos pioneiros, poder prescindir do cavalo era suficientemente satisfatório e ir do ponto A ao ponto B sem deixar um rasto nauseabundo, um luxo muito apreciado.
Antes da industrialização do sector, os métodos artesanais justificavam qualquer falha, podendo dois exemplares do mesmo modelo apresentar um nível de qualidade bastante diferente. Só com a introdução da produção em massa – devidamente estudada e sistematizada – se criaram padrões de construção. O Ford T terá sido, por isso, o primeiro a estabelecer uma barreira de expectativas que condicionaria todos os modelos daí em diante. Expectativas, essas, que vão avançando com a tecnologia. Daí que, alguns daqueles que consideramos maus carros, teriam sido um sucesso 15 anos antes do seu lançamento.
Para entender até que ponto subiram as nossas exigências, tente imaginar-se nos anos 70 ao volante de um Austin Allegro. Depois de dar meia volta ao volante quadrangular apenas para corrigir a trajectória, enquanto ampara uma infiltração de água com o casaco e bombeia nervosamente o travão na esperança de conseguir parar no semáforo que se vislumbra duzentos metros à frente, quais são as possibilidades de dar por si a pensar que “Só é pena que este carro não tenha faróis de nevoeiro”?
No passado era fácil identificar os defeitos de um determinado modelo como, por exemplo, a fragilidade da chapa de um Alfasud, a suspensão de um Morris Marina ou os fracos travões de um Renault 4. Hoje, quando um carro é mal recebido pela imprensa, as críticas incidem num porta-luvas imperfeito, materiais desagradáveis ao tacto ou, na pior das hipóteses, um comportamento subvirador.
Assim se conclui que o conceito de “mau carro” depende apenas da sua época e concorrência. Mas, porque não existe progresso sem crítica e não existe crítica sem motivo, fizemos uma selecção dos maiores falhanços da indústria automóvel, de acordo com o contexto de cada um.


Jowett Jupiter (1951)
O defeito mais evidente deste Jowett era a estética absolutamente desequilibrada, resultando num carro bastante feio. Mas o seu maior mérito foi a introdução do conceito de subviragem dramática num carro de propulsão, devido ao peso sobre o eixo frontal. O motor de quatro cilindros opostos e 50 cv era oriundo do Javelin oferecia boas performances para a época. Mas, como acontece com muitas soluções mecânicas originais, tanto o motor como a caixa de velocidades, eram muito pouco fiáveis.


Menos mal: Ganhou a sua classe por três vezes no Monte Carlo.
O pior: Ruído e comportamento dignos de uma traineira.
Balanço final: Interessante por ser inovador e raro.


Chevrolet Corvair (1960)
Influenciada pela popularidade do VW e de outros modelos europeus nos EUA, a Chevrolet decidiu criar um veículo compacto, com um motor de 6 cilindros arrefecido a ar, montado em posição traseira. A primeira versão do Corvair, graças a uma suspensão traseira mal desenvolvida, era extremamente desequilibrada e perigosa. Esta característica, associada a uma coluna de direcção que trespassava o condutor em caso de embate frontal, valeu-lhe a honra de um capítulo no livro “Unsafe at any Speed” de Ralph Nader.

Menos mal: Estética do Convertible.
O pior: Sobreviver-lhe implica viver com fugas de óleo e outros problemas.
Balanço final: Ideal para morrer em grande estilo.


Peel Trident (1963)
Se as personagens da série de animação Jetson tivessem um carro, seria um Peel Trident. Nada se parece mais com uma cápsula espacial da BD. Nascido na Ilha de Man, o sucessor do carro mais pequeno do mundo (Peel P50) tinha apenas três pequenas rodas. A sua originalidade residia na “bolha” de acrílico que era, simultaneamente, porta, vidro e tejadilho. O resultado era uma “estufa” capaz de cozer o cérebro dos ocupantes aos primeiros raios de sol. Na sua época, nenhum microcarro era um exemplo de qualidade, mas o Trident era demasiado absurdo para ser real.

Menos mal: Pode sempre estacioná-lo na mesa-de-cabeceira.
O pior: Ser visto dentro de um.
Balanço final: O aspecto é tão simpático que acaba por ser desejável.


Trabant 601 (1964)
Para além da repressão e da miséria, os regimes comunistas de leste motivaram uma ou outra desgraça motorizada. De todas, o Trabant é a maior. Fabricado na RDA como uma resposta ao Carocha, o pequeno sedan apostava em soluções arcaicas em troco de um preço acessível. Além do estridente e poluente motor a dois tempos, o Trabant ficou conhecido pela carroçaria fabricada num compósito denominado Duroplast, à base algodão e madeira. Resistente à ferrugem, mas frágil face a tudo o resto.

Menos mal: Com a queda do muro, tornou-se o motor da liberdade.
O pior: Mais poluente do que um petroleiro furado.
Balanço final: Hitler: 1 Honecker: 0


Amphicar 770 (1966)
Um utilitário anfíbio poderá ser uma excelente ideia na cabeça de um Veneziano. Isto se o veículo não for, simultaneamente, um mau carro e um mau barco. Enquanto barco, tinha o pequeno defeito de não ser estanque e depender do extractor do casco para não se afundar. Enquanto carro, era arcaico e muito lento. A questão fundamental é: para que servia? E se fazia sentido, porque não se fizeram mais?

Menos mal: Facilidade para estacionar na praia em época alta.
O pior: A âncora só estava disponível como opcional.
Balanço final: Um brinquedo caro para excêntricos.


Wartburg 353 (1967/1988)
Sabemos que um carro é patético quando a maior inovação da sua história é a adopção do motor boxer VW em… 1988! Esta última versão, foi vendida em Portugal e, tanto o seu aspecto como o seu nível de acabamento eram absolutamente inaceitáveis para o mercado europeu. O Wartburg 353, como vários carros oriundos do leste, nasceu com um fumarento motor dois tempos de 3 cilindros que acrescentava à terrível qualidade geral, a tão carismática falta de fiabilidade.

Menos mal: Motor RFA.
O pior: Construção RDA.
Balanço final: Só recomendado a comunistas nostálgicos.


NSU Ro80 (1969)
O melhor entre os piores de sempre, o NSU era um carro brilhante. Para além de linhas muito à frente do seu tempo, o NSU apresentava várias soluções inovadoras: motor de pistões rotativos, caixa de 3 velocidades com embraiagem automática (accionada pelo toque na alavanca) e travões de disco dianteiros “on-board” para reduzir o peso suspenso. Infelizmente, tanto o motor como a caixa eram extremamente problemáticos. Era comum ter de trocar de motor aos 30.000 km e as caixas perdiam o óleo com frequência.

Menos mal:
Bom comportamento; estética; soluções vanguardistas.
O pior: Provavelmente o pior motor de sempre.
Balanço final: Hoje é possível torná-lo fiável e vale bem a pena.


Triumph Stag (1970)
Um cabriolet de 4 lugares, motor V8, divertido de conduzir. Porque está ele aqui? Para encurtar uma longa história, digamos que pela ausência do famoso V8 Rover. Apesar de também pertencer à British Leyland, a Rover estava no limite da capacidade de produção de motores. A Triumph partiu então para o desenvolvimento de uma solução própria. Assim começa o pesadelo. Correias de distribuição partidas, culassas problemáticas, bombas de água preguiçosas e um sistema de injecção menos fiável do que carburadores, são todos parte do “carácter” do Stag.

Menos mal: Comportamento; Sonoridade do V8.
O pior: Custos de manutenção.
Balanço final: Aconselhável apenas a fãs incondicionais da marca.


Citroën SM (1970)
Teoricamente, era uma boa ideia. Na prática, significou reunir todos os defeitos de um DS aos de um exótico italiano. Assim, havia muito por onde falhar: motor de manutenção dispendiosa, soluções hidráulicas demasiado complexas, consumos exagerados e uma experiência de condução aborrecida, marcada por uma direcção absurdamente directa e filtrada. O SM teve o mérito de desenvolver soluções tecnológicas interessantes. Mas essa vanguarda e arrojo tornam assustadora a perspectiva de manter um.

Menos mal: Conforto; exclusividade.
O pior: O desespero do seu mecânico; A conta no final.
Balanço final: Como uma nave espacial, mas com manutenção mais cara.


Jaguar E-type Series III V12 (1971)
“Os antigos é que eram bons”, é uma frase muito ouvida entre os fãs da Jaguar. Não será por acaso. O E-type é o exemplo perfeito de uma evolução para pior. Desde o 4.2 da série I, o “E” foi-se tornando cada vez mais lento, mais feio, mais pesado, mais complexo e problemático. O modelo final, com motor V12, era absolutamente indigno da sua linhagem, deixando de ser um desportivo de elite para se tornar num GT aburguesado e pouco fiável. O expoente máximo da decadência do E-type foi o “marreco” 2+2.

Menos mal: O som do V12; Conforto face às versões anteriores.
O pior: Fiabilidade terrível; Consumos.
Balanço final: Morte indigna para um nome mítico.


Morris Marina (1971)
Rei entre os maus, o Marina tornou-se o ícone dos falhanços britânicos. A British Leyland parecia apostada em fazer o pior dos carros e, nesse sentido, excedeu-se. O expoente máximo da decadência era a versão diesel: direcção e pedais pensados para um halterofilista, suspensão incapaz de manter o cárter afastado do chão, velocidade máxima de 100 km/h, um selector de caixa com folgas de meio metro, travões puramente teóricos, etc.. Porque era diesel, conseguia fazer médias de uma avaria por depósito.

Menos mal: Na berlina era possível transportar mais amigos para empurrar.
O pior: Vendeu-se bem; Giugiaro conseguiu torná-lo mais feio após o “face-lift”.
Balanço final: Para quem só se contenta com o pior.


Austin Allegro (1973)
Se nos anos 50 e 60 nasceram em Inglaterra alguns dos melhores carros de sempre, não é menos verdade que, nos anos 70, houve uma sucessão de fracassos sobre rodas. O Allegro conseguiu quase igualar a má fama do Marina. No essencial, repetiu todos os erros do Morris. As suas linhas horríveis foram sendo deturpadas ao longo do projecto por questões funcionais e, para evidenciar o quanto eram desactualizadas, a VW lançou o Golf MKI um ano mais tarde.

Menos mal: Mais leve que o Marina e, logo, mais fácil de empurrar.
O pior: Ficou pior com o fim dos cromados.
Balanço final: O seu antecessor (Austin 1100/1300) era melhor e mais interessante.


Volvo 340 CVT (1974)
“Acelera como um BMW. Curva como um Porsche. Pára como um Volvo”, dizia o anúncio do 340. Na realidade, o modelo nasceu como um DAF, marca que esteve para ser adquirida pela BMW que pretendia adoptar o modelo como o seu primeiro “Compact”. O caminho ficou livre para a Volvo quando a BMW começou a apontar críticas ao projecto. Nomeadamente, à adopção da arquitectura “transaxle”, que só fazia sentido com a caixa automática CVT que, por sinal, era péssima.

Menos mal: O último Volvo de propulsão.
O pior: Lentidão; Consumos; Comportamento em curva, CVT.
Balanço final: É a negação de todas as qualidades associadas à marca.


Lotus Elite (1974)
Num primeiro olhar nota-se que o Elite não é um Lotus dos mais interessantes. As formas pouco graciosas ajudam a odiar um carro que é mau sobre vários aspectos. A suspensão e a direcção acusavam desgaste prematuro. Os motores sofriam de frequentes perdas de óleo. A parte eléctrica acompanhava o conjunto com vidros que encravavam, instrumentos que paravam e faróis que não subiam. As lágrimas derramadas pelo proprietário eram suficientes para corroer o chassis que, não raras vezes, permitia que elementos da suspensão irrompessem pela frágil carroçaria de fibra.

Menos mal: Em condições perfeitas, tem um bom comportamento.
O pior: Não existe nenhum em condições perfeitas.
Balanço final: Um Marina para ricos.


Triumph TR7 (1975)
Na sua campanha de lançamento o TR7 era publicitado como “A forma do que há-de vir”. A Triumph acertou em cheio, pois apesar do sucesso comercial do modelo, o futuro da marca viria a tornar-se bastante feio. Para além de ser um desportivo aquém dos seus antepassados, o TR7 era um carro de péssima qualidade. Os faróis retrácteis avariavam, as infiltrações e os curto-circuitos eram comuns, as correias de transmissão partiam antes do previsto, as bombas de água colavam e os carburadores desafinavam constantemente. No fim de contas, era fácil passar mais tempo a olhar para debaixo do capôt do que para o horrível tablier.

Menos mal: Comportamento; versão V8
O pior: Aspecto de “kit-car”.
Balanço final: Ideal para quem deseja desesperadamente um roadster.


Rover 2300/2600 (1977)
Apesar de ser uma versão económica do famoso 3500 V8, este modelo de seis cilindros já vinha equipado com as habituais infiltrações de água, pintura que “descascava” e imensos problemas eléctricos. Mas o problema mais comum e grave deste carro residia no motor: o fluxo de óleo na árvore de cames bloqueava frequentemente. Assim, esta acabava por ceder, originando a quebra da correia de distribuição e a consequente orgia entre válvulas e pistões.

Menos mal: A frente faz lembrar um Ferrari 365 GTB/4
O pior: Os custos de manutenção também.
Balanço final: Não há alternativas ao 3500 V8.


Ferrari Mondial 8 (1980)
Um mau Ferrari é a prova de que o falhanço acontece aos melhores. Aliás, o Mondial 8 tinha tudo para não ser um Ferrari: um motor de apenas 214 cv, 1500 kg, quatro lugares e um desinspirado desenho de Bertone. A única característica condizente com a marca, era a sua electrónica problemática. Baseada em sistemas de transístores, foi sempre a origem de complicações que, aliadas aos custos da assistência da marca, mataram o sonho do “Ferrari dos pobres”.

Menos mal: Versatilidade dos quatro lugares.
O pior: O cheiro a fios queimados.
Balanço final: Apesar de tudo, a magia do cavalo atrai.


Yugo 45 (1981)
Um carro novo com base no Fiat 127 e construído num país de leste era, já nos anos 80, uma ideia pouco atractiva. Tal como o design do Yugo 45. Mas porque o preço é um argumento sempre forte, o modelo atingiu um sucesso de vendas assinalável. Durante alguns anos as encomendas caíram tanto como as suas próprias peças e só uma guerra absurda travou o progresso do pequeno Yugo. Algo que os seus travões nunca conseguiram fazer, apesar das performances ridículas.

Menos mal: Ajudou a motorizar países de leste.
O pior: Era inferior a um 127 MKII.
Balanço final: Candidato ao título de carro menos interessante de sempre.


Chrysler TC by Maserati (1988)
Apesar de ter nascido apenas para o mercado americano, o Chrysler TC Maserati merece lugar de destaque pelo absurdo da ideia. Na tentativa de assediar clientes desejosos de exclusividade, a GM decidiu associar a marca Maserati ao seu modelo “Le Baron”. Mas em vez de importar de Itália tecnologia de performance, a Chrysler importou apenas a má qualidade de construção. Isto porque a Maserati era apenas responsável pela construção dos interiores, com base em muitos componentes do “Le Baron”

Menos mal: Revestimentos de luxo; Motor fiável.
O pior: Preço a pagar pelo símbolo Maserati
Balanço final: Felizmente não chegaram à Europa.


Hummer (1992)
Diz-se que ideia de fazer do Hummer um carro civil, partiu de Arnold Schwarzenegger. Olhando para ambos, não espanta. A verdade é que à excepção dos militares da guerra do Iraque, ninguém precisa de um. Este paquiderme motorizado junta aos 2700 kg de peso outros aspectos irracionais como uma aerodinâmica inexistente, uma largura que supera alguns camiões e uma lentidão condizente com o aspecto. Infelizmente, tornou-se um ícone de estilo em alguns meios e as variantes mais luxuosas e levemente civilizadas continuam o seu trabalho em prol do aquecimento global.

Menos mal: Ora bem...
O pior: Um Chaimite é equivalente e tem mais qualidades.
Balanço final: EUA: 2 Iraque:
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